Clube da Menô

A minha vida só é possível incrementada!

Textos


Tradução do texto Baú de Retratos. O original em português vai abaixo.
Ouçam o áudio:
http://recantodasletras.uol.com.br/audios/cronicas/5686

 
Chest of Pictures

After so many years, I’ve decided to take a look into my old chest. I sit on the floor and open my life, spreading pictures of my past and releasing the smell of things that have been kept away to give wings to my thoughts.

 
Here are my first photographs: baby clothes, pacifier, runny nose. Around me, people - all young - with a strange hairdos. I see my mother looking like a queen - that sweet face of kindness and love.
 
I feel the heat of that day. There’s innocence in the air.

Look at that... Wow! I had all but forgotten this gang. How come? After all this time my mind captures this day as a frantic trip of neurons within this computer that is my brain.
 
Here I am at school: clean clothes in the morning and sweaty ones when it’s time to gohome. I have no idea where my class mates are today. What do they do? Do they remember me?
 
I hear the voices of children playing and the saving recess bell. I feel the taste of the candy that I loved and can't find anywhere nowadays - dirty teeth and clean soul.
 
Pleasure... I was happy and didn’t realize it.

By golly! Here I was about fifteen years old! Pretty... How beautiful youth was: soft skin, bright eyes, dreams, hope, innocence; eternal love and a heart pounding at mere the thought of a kiss.
 
This room gets full of my favorite perfume, which marked so many moments. I remember those clothes that used to fit me so well. Many clothes now come to memory. I hear songs of that time - when I used to dance… Dancing was gradually replaced by papers, documents, bills to pay. Floating clothes said goodbye and left through the back door.
 
Here in this packet I got to adulthood: lost loves, fulfilled loves, my work, family. Daily situations: the old house, the couch, that shelf full of useless but essential objects; there comes the scent of a cake in the oven, cups and saucers, freshly-made coffee. I hear the pleasant sounds of the street - sounds that lived with me in times of peace and rest.
 
I pick the photos of those gone. They lived intensely near me. I miss them: tenderness, sadness and tears that insist on coming back until today. They no longer live and love gives way to nostalgia.
 
I see that, over time, the photos decrease in number and in size: cropped, stained, dull photos. What did I do with my time that I didn’t remember to photograph? Time then was short. Time now is shorter…
 
I realized that I failed to record that stroll and that divine moment. Gosh, I should have documented that gathering, the son’s fright , the son’s doubt, the son’s forgiveness…

Smells, sounds, colors, landscapes, the faces of friends and relatives, smiles. My mind has filed everything on the corners and all I had to do was look into the chest to go back in time and relive my past.

It was all recorded, and I can't even remember what I ate for lunch yesterday. Am I getting old? Am I lonelier? Has time stopped for me?

Nonsense! The world is in my mind, and no one can take it away from me.

Leila Marinho Lage
http://www.clubedadonameno.com
 
Baú de Retratos
 
Depois de tantos anos resolvi mexer no meu velho baú. Sento no chão e abro a minha vida. Espalho retratos do meu passado e libero o cheiro de coisa guardada para dar asas ao meu pensamento.

Aqui estão as minhas primeiras fotografias: roupa de bebê, chupeta melada, nariz escorrendo. À minha volta, gente com uns cabelos estranhos - todos jovens. E, como uma rainha, vejo minha mãe - aquela doce face de bondade e amor.
 
Sinto o calor daquele dia. A pureza paira no ar.
 
Olha essa... Nossa! Nem lembrava mais dessa turma. Como pode? Depois de tanto tempo a minha mente capta este dia como uma frenética viagem de neurônios dentro deste computador que é meu cérebro.

Aqui eu estou na escola: roupa limpa pela manhã e suada na hora da saída. Colegas que hoje nem sei onde estão. O que eles fazem? Eles lembram de mim?

Ouço as vozes das crianças brincando e o salvador sinal do recreio. Eu sinto o gosto daquela bala, que eu adorava e não encontro mais em lugar nenhum - os dentes sujos e a alma limpa.

Prazer... Eu era feliz e não me dava conta disso.

Caramba! Aqui eu tinha uns quinze anos! Bonita... Como era bonita a juventude: pele macia, olhos brilhantes; sonhos, esperanças, inocência; os amores eternos e o coração batendo forte só de pensar em beijar.

Este quarto se enche do meu perfume predileto, que marcou tantos momentos. Lembro daquela roupa que me caía tão bem. Muitas roupas agora me vêm à lembrança.
 
Ouço as músicas daquela época – quando eu dançava... A dança foi sendo substituída por papéis, documentos, contas a pagar. Um baile de roupas flutuantes se despediram e saíram pela porta dos fundos.

Aqui neste maço cheguei à vida adulta: amores perdidos, amores realizados, meu trabalho, a família. Situações cotidianas: a casa antiga, o sofá, aquela prateleira cheia de objetos inúteis, mas imprescindíveis; vem o cheiro de bolo no forno, a louça se tocando, o café fresquinho... Ouço o gostoso barulho da rua – sons que conviveram comigo em momentos de paz e de descanso.

Pego em fotografias dos que já se foram. Viveram intensamente junto a mim. Sinto falta deles: carinho, tristeza e lágrimas que até hoje insistem em voltar. Eles já se não existem mais e o amor dá lugar à saudade.

Vejo que com o tempo as fotos vão diminuindo em número e em tamanho: fotos cortadas, manchadas, fotos sem graça. O que eu fiz com o meu tempo que não lembrei de fotografar? O tempo era curto. O tempo agora está menor...

Percebi que deixei de registrar aquele passeio e aquele momento divino. Puxa, eu bem poderia ter documentado aquela reunião, o susto do filho, a dúvida do filho, o perdão do filho.

Cheiros, sons, cores, paisagens, o rosto dos amigos, dos parentes, os sorrisos. Minha mente arquivou tudo, arrumou nos cantos e foi só eu vasculhar o baú para me fazer voltar no  tempo e reviver o meu passado.

Tudo isso ficou registrado e, no entanto, nem lembro do que comi ontem. A velhice está chegando? Estou mais só? O tempo parou pra mim?

Que nada! Na minha cabeça está o mundo, e este ninguém tira de mim.
 

 
Leila Marinho Lage
Enviado por Leila Marinho Lage em 28/08/2009
Alterado em 29/08/2009



Site do Escritor criado por Recanto das Letras