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HOMOAFETIVIDADE

Venho aqui pra falar sobre certas situações que nós médicas passamos.

Sou obstetra e ginecologista. Por muitas vezes estou ao lado de uma equipe de médicos, na maioria homens, cortando, costurando e trazendo crianças ao mundo.

Deve ser difícil para a família de meus auxiliares aceitar que eles saem de suas casas, de seus confortos, pra trabalhar ao lado de uma médica estranha qualquer.

Meu anestesista (Israel) trabalha comigo há uns 20 anos. Foi doado pra mim por outro, colega dele, que também trabalhou comigo por muito tempo, mas que estava indo embora do Rio (Jailton). Os dois são de Minas Gerais. Vocês não entendem, mas anestesistas mineiros são o sonho de todo obstetra e gineco!

Literalmente eu fiquei “apaixonada” por Israel. Aí, um dia, mandei pra ele um cartão de aniversário. Isto deu o maior quiprocó da paróquia! A mulher dele, na época, instrumentadora, achou que eu o cantava. Uma vez ele recebeu uma bomboniere de vidro na cabeça quando chegou à sua casa, tarde da noite – por minha causa...

Quando soube do ocorrido, resolvi ligar pra ela e a convidar pra ser minha instrumentadora e trabalhar conosco em qualquer situação, nas mais duras. Ficamos amigas, irmãs e somos até hoje (Fátima). Passamos a ser como uma família.

Pior foi muitos anos atrás. Meu anestesista da ocasião era um bonitão que paquerava todas as jovens médicas. A mulher dele era ciumenta demais, de acordo com o que ele falava. Então, já que eu era bonitinha, ele inventou que eu era homoafetiva (como hoje se diz). Assim, ela ficava tranquila, mesmo me vendo em fotos, toda bronzeadona e linda.

Um dia a esposa foi se encontrar com o marido, meu anestesista, e ficou na sala de estar dos médicos, esperando a cirurgia acabar. Meu anestesista me confessou o que tinha traçado do meu perfil pra sua mulher e me pediu ajuda. Aí, saí do centro cirúrgico quase coçando um saco, andando de perna aberta, falando grosso e chamando a enfermeira de “minha gostosa”... Dei até tapas nas costas dos meus colegas na hora de nos despedir.

Ocorre o seguinte: onde se trabalha não pode existir sexo. Onde se trabalha a gente tem que ganhar o pão, não o orgasmo. Pra acrescentar, essa relação é de irmãos! Somos unidos, a gente se ama sem tesão algum!

Temos algo a mais, algo muito espiritual, algo muito puro. Quando a gente se encontra, não é pra apenas trabalhar e faturar: a gente festeja um encontro de pessoas com energias muito boas.

E se eu tiver que coçar um saco imaginário outra vez, tudo bem! O que importa é a nossa função e a vida de pessoas.

Sou afetiva (não importa por que gênero), mas quem tem meu afeto íntimo está longe dos hospitais por onde pernoito com homens maravilhosos. Do resto, a gente apenas ri.
 

 
Leila Marinho Lage
Enviado por Leila Marinho Lage em 28/01/2017
Alterado em 28/01/2017



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