O exame de urina
Eu atendia uma senhora de 75 anos. Pelo que descrevia, ela estava com uma baita infecção urinária, mas eu precisaria de confirmação através de um exame de cultura de urina. O exame mostra a bactéria que cresceu, responsável pela infecção, e faz testes in vitro com certos antibióticos que provavelmente matariam este germe (antibiograma). Assim sendo, o exame determina o agente agressor e os antibióticos aos quais ela é sensível, portanto, vulnerável.
O estudo dos elementos anormais do sedimento urinário (EAS), é um exame pouco específico, mostrando apenas se pode haver uma infecção, principalmente através da contagem dos glóbulos brancos encontrados e se a flora bacteriana está aumentada. Fazem isso em visualização de uma lâmina, mas só sugere, não confirma, nem detecta qual é a infecção, muito menos se o bicho é resistente aos antibióticos comuns.
São exames simples, mas ocupam uma folha de ofício, cheio de detalhes, cheio de palavras incompreensíveis para o leigo. E, ao final da análise do resultado, o médico tem que raciocinar quanto ao melhor antibiótico a ser escolhido para tratamento.
O resultado final de uma cultura demora umas 48 a 72 horas para ficar pronto, mas com o enorme número de exames que são diariamente feitos, o laudo por escrito às vezes demora uma semana ou mais para ser entregue.
Precisamos de rapidez no diagnóstico a fim de não deixarmos a infecção progredir e se tornar mais grave. Muitas vezes, num fim de semana, por exemplo, somos obrigados a medicar com antibióticos de amplo espectro, sem depender das culturas, caso o paciente esteja com muitas queixas.
E lá estava a senhora com sintomas de dor ao urinar e frequência urinária aumentada, saindo pouco xixi...
Perguntei: "Dá pra esperar até amanhã de manhã para colher a primeira urina da manhã e depois entrarmos com medicação? Preciso que a comece após colher a urina. Se entrar com o remédio antes de entregar a urina, vai mascarar o resultado. E eu só vou poder saber se mediquei certo com o resultado do antibiograma, que sairá no mínimo uns dois dias depois".
Ela parecia meio atordoada com o que falei, sem entender direito, a meu ver, mas me respondeu laconicamente: "Sim...".
Pensei que ela ia se atrapalhar para saber o resultado. Já conhecendo as dúvidas e aonde o paciente se enrola, comecei meu roteiro de como se saber o resultado para me entregar o mais rápido possível:
" 1 - A senhora colhe a urina e avisa ao laboratório para dar urgência no laudo.
2 - Vão dizer que cultura e antibiograma não saem no mesmo dia, então, vá logo dizendo que quer o resultado em 48 a 72 horas no máximo.
3 - A atendente vai dizer que isso é impossível e que ali é apenas um posto de coleta.
4 - Peça para eles solicitarem um fax à central, o que vão negar provavelmente. Se for o caso, terá que ligar para a matriz e falar com o centro de atendimento ao cliente.
5 - Se a senhora não tiver um fax, então, peça para lhe informarem se cresceu algo na cultura... Se conseguir anotar o resultado, tudo bem, é só me ligar, mas possivelmente vai ter dificuldades de entender o que vão falar...".
Ela me olhava incrédula, boquiaberta, paralisada. Pensei que ela estava em pânico e perguntei se me compreendia. Ela afirmou que sim, daí, continuei:
" 6 - Pode pedir para o funcionário me ligar e passar o resultado por telefone ou avise-me que o resultado está pronto que eu ligo.
7 - Mas, entenda, eu não tenho muita disponibilidade...".
Ela não conseguiu se conter e me interrompeu:
- "Posso acessar o site do laboratório, copiar o laudo e lhe enviar por e-mail ou lhe ligar?...".
Eu baixei a cabeça, comecei a fazer o pedido do exame, contendo-me para não rir, uma vez que eu não imaginava que ela, tão simples e idosa, acessasse computadores. Apenas balbuciei: "Sim...".
Leila Marinho Lage