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O CARTAZ...
Ofereceram-me um emprego... Não aceitarei, provavelmente. Estou muito cansada e todos me veem como uma máquina sem defeitos, eternamente funcionante. Como no filme de Chaplin, chamado "Tempos Modernos", eu me vejo apertando porcas, rapidamente, sem parar, cômica e tragicamente apertando porcas.
Tenho “50tinha”. Estaria para me aposentar se não fossem as estradas ao contrário que percorri. Medicina não deu para mim nem metade do que eu esperava.
Pra falar a verdade, jamais esperei nada dela. Talvez tenha entrado nessa por alguma corrente espiritual que Deus me colocou à frente. Aprendi nos livros a tratar - até aprendi direitinho -, mas vi ao longo da vida uma realidade totalmente diferente.
Não que eu seja um guru ou siga alguma seita (sou avessa a isso tudo), mas não vejo caminhos muito bons para a saúde. Toda vez que a gente trabalha em algum lugar, está compactuando com o sistema. Não vejo no “sistema da medicina” o meu sistema de vida como ser humano. Portanto, amigos, não serei muito destacada nessa área jamais.
Aí, resolvi escrever... Disseram pra mim que se eu quisesse escrever em algum jornal, eu teria que ser jornalista... É estranho que escrevo melhor que muitos deles, mas isso eu devo ao meu primário e pré-primário...
Cheguei a fazer vestibular para publicidade e passei, quando tinha uns 17 anos. Ao mesmo tempo decidi fazer medicina, pois gostava de cortar as carpas e trutas do lago que meu pai construiu. Só não gostava de ver os peixes mortos, depois que eu os cortava... Por outro lado, até pode ser, eu hoje estaria em algum dito patamar da tal sociedade que nos cerca se seguisse a área de comunicação - a não ser que eu tenha vindo pra cumprir um karma...
Publicidade era na época a única coisa que me fascinava. Não existia computador, não existia nada. Eu ficava hipnotizada com cartazes publicitários e os comerciais da televisão. Eu queria fazer algo assim. Quando comecei a frequentar teatros, vi que minha veia era a artística, mas como eu era vesga, usava óculos, pobre e era feinha, concluí que minha praia devia ser outra...
Eu devia ter insistido. Afinal, uma coroa como eu fiquei, muita gente não ficou. Vai ver, foram as drogas que não usei, e as pastas estéticas que não coloquei na cara... Pena que na quase terceira idade é difícil começar do zero...
Meu coração era grande e meu meio era medicina. Resolvi fazer medicina. Encontrei-me na profissão no quarto ano, quando fiz obstetrícia e ginecologia. Achei lindo o fenômeno da concepção e o corpo feminino em todas as suas nuances (médicas, que seja dito...).
Ao longo de minha formação jamais esqueci da minha veia palhaça, e por isso mesmo jamais a larguei. Numa vida difícil, muito diferente das demais, que alguns saberão, eu fazia dessa profissão algo digno de ser realizado, mas, ao mesmo tempo, com graça e muita arte, aliando teatro e muitas coisas mais.
Difícil hoje em dia ser digno e exercer a profissão. Somente alguns profissionais podem se dar ao luxo disso. É difícil para qualquer profissional ser honesto e ser reconhecido, ganhar pelo que produz, ainda mais tentando lutar contra um sistema injusto e que não olha para o próximo com olhos de compaixão. Não existe caridade na medicina hoje (nunca houve).
Eu vejo a classe médica cada vez mais pobre espiritualmente e cada vez mais despreparada, principalmente observando como os seres humanos se comportam em todos os setores. Não dá pra ganhar em cima da desgraça dos outros. Eu não conseguiria ter algum lucro em cima disso, portanto, não estou nos parâmetros de ser aceita como “confiável” e “admirada” pela “sociedade”.
Eu gostaria apenas de poder sentar na minha varanda, olhar as flores crescerem e nada mais, como a música “Casa no campo” (Zé Rodrix e Tavito), mas não dá... Por isso estou cansada e luto para não desanimar.
A vida continua. Todos continuam e eu não me deixarei para trás até morrer - só que ao meu modo.
Daí, surgiu o site, como um grito silencioso, uma metáfora, uma voz ao longe de alguém que nada pretende além de falar algumas coisas antes de seguir para outra constelação.
Hoje pus um cartaz no meu consultório. Eu o bolei nos mínimos detalhes até ficar simples como eu gostaria. Ficou tão simples que pode não dizer nada a ninguém - mas a mim diz tudo.
Diz sobre meus caminhos e minha vida, uma vida toda em simples palavras, cheias de graça, a "graça" de Deus. Atenção: não sou religiosa e isso nada tem a ver com qualquer seguimento religioso, dogma ou filosofia complicada.
Posso não ter feito muito na vida, mas me orgulho de não ter feito muitas por aí. Por isso é tão importante o meu site e este cartaz simplesinho que mostro aqui.
Leila Marinho Lage Rio, 10 de outubro de 2008 http://www.clubedadonameno.com
Leila Marinho Lage
Enviado por Leila Marinho Lage em 09/10/2008
Alterado em 12/10/2009
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