Clube da Menô

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Bolhinhas de Cuspe

Cheguei em casa de madrugada, vinda de um hospital, pois fui salvar a vida de um bebê que poderia morrer no ventre de mãe. Não é importante aqui dar detalhes sobre o quadro obstétrico, mas é importante comentar sobre a mãe, pois eu estava com dois problemas: o do bebê e o da mãe, e assim foram essas últimas semanas.

Há alguns dias eu escrevi sobre uma situação (totalmente verídica) ocorrida com essa mãe. Uma hematologista virou para ela e disse que a doença de coagulação que ela tinha poderia causar um sangramento incontrolável no parto e que seria melhor que ela se consultasse com o obstetra do serviço no qual ela estava sendo atendida, pois receava que a obstetra (eu, quem a colega não conhece) poderia não ter capacidade de a atender devidamente...

Um detalhe importante: quem achou que a gestante tinha algum problema de coagulação foi eu, tendo o cuidado de encaminhar a paciente para um amigo, que tem muitos anos de profissão à frente da tal “especialista”.

O diagnóstico do problema de coagulação, que é hereditário, foi feito há menos de um mês. Seu quadro era de anos e anos de sangramentos absurdos, sem causa aparente. A moça passou por vários serviços e ninguém fez o diagnóstico. Até acharam que era tudo fingimento, quando ela dizia sangrar por várias partes do corpo.

Eu fiz essa gestante nascer há mais de 20 anos e hoje eu estive junto a uma equipe maravilhosa para fazer a cesareana, com todos os procedimentos necessários. Durante a anestesia ela estava apreensiva, talvez lembrando das palavras da tal hematologista, e ao mesmo tempo, preocupada com o bebê, que ia nascer antes do tempo. Para aliviar a tensão, eu lembrei que ela nasceu pelas minhas mãos e agora eu fazia o mesmo com seu filho. Distraída, eu acrescentei: “E fiz o parto de sua mãe também!”.

A gestante estava na posição para ser anestesiada e passou do temor ao riso: “Leila, se eu sou filha de minha mãe e nasci contigo, logicamente você fez o parto de minha mãe!”.

Todos riram. Eu não me dava conta do mico. Meu anestesista, que imita o tempo todo português, durante as cirurgias, soltou uma piadinha do tipo que os patrícios odeiam (tenho sangue luso). Minha instrumentadora, que também tem sangue luso, não entendeu. Meu auxiliar nem prestou atenção, pois dorme nos cantos antes de ligar o piloto automático. A pediatra, que é do nordeste do Brasil, entendeu e sorriu. Aliás, minha pediatra sorri o dia todo; ela é sorriso de bondade em qualquer momento.

A cirurgia acabou bem, sem complicações. O bebê foi para o CTI, pois já era de se esperar cuidados com sua respiração.

No quarto, com a paciente já acomodada, eu comecei a explicar a razão de o bebê ir para o CTI; que eu já tinha explicado que poderia ser preciso; que era uma inadaptação transitória; que... O pai do bebê me interrompeu, dizendo: “Não se preocupe. Vim lá do CTI e o bebê está babando”.

Achei aquilo um comentário de leigo e expliquei que babar naquela situação poderia ser... Ele novamente me interrompeu: “Não!... Ele até faz bolhinhas de cuspe!”.

Só consegui relaxar agora, pois fui informada pelo CTI neonatal que a criança respira em ar ambiente, sem precisar de nenhum aparelho, e passa muito bem.

Eu acho que o diagnóstico da boa evolução do bebê foi realizado pelo pai muito antes dos médicos...

Leila Marinho Lage
Rio, 28 de outubro de 2008, às 5h da madruga

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Leila Marinho Lage
Enviado por Leila Marinho Lage em 28/10/2008
Alterado em 11/10/2009
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