Clube da Menô

A minha vida só é possível incrementada!

Textos

A pequena foliã

Ser obstetra tem dessas coisas: os feriados inexistem ou são totalmente diferentes das comemorações tradicionais. Enquanto colocavam o bloco na rua, a gente colocava o nosso numa sala de parto.

É sempre bom rever a turma que trabalha comigo, que eu não consegui unir desde o fim do ano passado. Eu e minha equipe passamos quase dois meses sem nos ver. A ponto de um ligar para o outro para saber se tudo estava bem...

As razões são estas:

1 - Os pacientes estão inadimplentes com seus planos de saúde, portanto não estão sendo programadas cirurgias eletivas. O fim de ano e início de outro sempre trazem despesas extras, e as pessoas deixam de pagar os convênios.

2 - Tudo que se pode atrasar no Brasil para depois do fim do ano, e, para ser mais exata, após o Carnaval, será protelado. Para ser mais exata ainda, o ano começa a partir de 2 de março de 2009, quando tudo começa a funcionar melhor.

Os meses de chuva acabaram. Com isso, ao sair o sol, as pessoas desistem até de suas consultas, substituindo a saúde por pequenos momentos de lazer.

Cirurgia? Que isso!! Ser operado, só se for quando acabar o calor! Mas como teremos mil feriados no meio da semana em 2009, as pessoas deverão fazer planos para saberem quando vão entrar num centro cirúrgico ou quando vão pra Búzios...

Nós, médicos, ficamos loucos quando dizem que preferem viajar a serem operados. Muita doença dá pra levar, outras não... Mesmo assim, arriscam-se.

O que acho muito estranho é que teem muita coragem de modificar seios, narizes e barrigas, mas ao se falar em retirar um tumor ou algo do estilo, logo lembram de complicações e anestesias... Fogem como loucos ou protelam, tentando aproveitar os feriadões antes da inconveniente recuperação pós-operatória.

Ter bebê entre o Natal e o Carnaval é horrível, tanto para a paciente quanto para a equipe médica. Não que seja desagradável fazer parto num feriado. O que é ruim é enfrentar trânsito, gente bêbada nas ruas, assaltos, multidões. Estas são as preocupações do médico numa cidade grande...

Na semana passada uma moça morreu com uma bala perdida em pleno ensaio duma escola de samba. Eu fico pensando nos caminhos que percorro nas madrugadas da vida e o risco que toda a equipe passa, quando acontece uma emergência e temos que ir para um hospital numa área de alta periculosidade. Partindo da premissa que todos os hospitais do Rio de Janeiro estão em áreas de alta periculosidade, somos quase kamikazes.

Daí, decidimos, eu e a o casal, que Anna Beatriz teria que nascer num sábado de Carnaval. Ela estava grandinha demais e ia dar trabalho pra nascer de parto normal. Indiquei cesariana em pleno sábado de Carnaval.

O meu auxiliar veio cansadão de um plantão. O anestesista Israel, sempre feliz e calmo. A minha amiga instrumentadora, Fátima, toda amorosa. Alex, o pediatra, eu conheci no dia. Ele veio para substituir a minha pediatra, que foi viajar. Ele parecia que fazia parte desta minha "família". Foi empatia imediata.

Tudo correu muito bem. O hospital era ótimo, principalmente o bisturi, que era de primeiro mundo, pois tinha uma pontinha pra apoiar meu dedo, uma maravilha!
Até o porteiro do hospital (novo) era simpático e tudo cheirava a talco de bebê, que descobri ser um germicida da Johnson... (já que fiz propaganda, quero amostra grátis...).

A equipe se encontrou, depois de longo e tenebroso verão, aos beijos e abraços. A paciente estava controlada (pois calma, ninguém fica). O bebê nasceu bem, apesar de ter dado trabalho pra sair.

O guardador do estacionamento do hospital quis cobrar de mim a vaga. Depois que eu disse: "Po! Eu dou lucro pro hospital e ainda querem me cobrar estacionamento?!", o chefe deles chegou, assustado, e disse: "Tudo bem, a senhora passa"...

Eu estava de bom humor. Talvez por isso relevei que a enfermagem deixou minha paciente deitada da tarde de ontem até hoje pela manhã, mesmo eu tendo recomendado deambulação a partir de meia-noite. Não se pode querer perfeição no Brasil, né?...

Vejam as fotos de Anna e a mãe Alessandra no site "Clube da Menô", vinculado a esta página. Link:
http://www.clubedameno.recantodasletras.com.br/album.php?ida=4531
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Leila Marinho Lage
Enviado por Leila Marinho Lage em 22/02/2009
Alterado em 22/02/2009
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