Clube da Menô

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Textos

Do velho ao novo - D. Pedro e os cachorros quentes

Já não se fazem professoras como antigamente... Que me desculpem as profissionais do ramo que ensinam às turmas de primeiro e segundo graus, as que fazem parte do "sistema", já que vou navegar em meandros polêmicos. Talvez eu não seja compreendida, mas crônica é crônica. Aliás, o tema é sobre escrever uma crônica... e conseguir um bom texto...

Passo, então, ao cenário (real) de ontem à noite, num jantar surpresa, ou melhor, um jantar improvisado aqui em casa.

Dou sempre uma de mestre-cuca e invento receitas. Ontem foi um risoto de camarão (um dia ainda envio a receita, ok?). No almoço foi a vez de minha secretária experimentar o prato, mas sobrou muita coisa, que eu não iria comer mais, já que comecei (outra vez) a fazer dieta... Liguei pra uma amiga, Áurea, que um dia me pediu tão humildemente: "Quando você fizer camarão, guarde um pouquinho pra mim?".

Estava resolvido o meu problema doméstico-administrativo! Eu não precisaria ficar preocupada em empatar o congelador, uma vez que desliguei o freezer para economizar energia...

- "Olha, eu vou levar Ricardo, meu namorado, mas ele odeia camarão...", avisou ela. Que ótimo! Eu tentava resolver um problema e arrumei outro!

Não dei-me por rogada. Contornei a situação com aquele cachorro-quente de salsicha e linguiça, congelado pra emergências... Ainda bem que ele não era vegetariano, se bem que, nesta situação, não iria passar fome, uma vez que alface, brócolis, repolhos de tudo quanto é cor, rúculas, tomates e agriões convivem comigo atualmente até em sonhos.

Uma vez que a noite se transformou num banquete, chamei outra amiga, Rosângela, que é professora - ela diz que quem foi professora jamais deixa de ser... Meio de semana, todo mundo cansado do trabalho e eu inventando jantares... Mas era por uma boa causa, que acabou servindo para solucionar (solucionar?) outras.

Ao chegarem, recebi também outra comensal, Lana, filha de Áurea, uma adolescente, chegando com livros e cadernos nos braços. Vi que ela foi obrigada a sair de casa, mas estava estudando algo para o dia seguinte.

Ontem não foi apenas um dia para um encontro entre amigos, mas para estudarmos juntos. Sim, acabamos estudando todos, como se tivéssemos a mesma faixa etária. Enquanto Lana estava envolvida com uma redação, coincidentemente Rosângela estava com outra... Quando eu percebi que as duas estavam apreensivas, perguntei em que tanto empenhavam-se.

Lana estava aborrecida porque a professora lançou pra sua turma um desafio, que eu não entendi bem a finalidade: resumir uma carta que Don Pedro I (príncipe regente do Brasil) escreveu para seu pai, D. João VI (ex-rei e imperador do Brasil e, então, apenas imperador de Portugal), em 1822, três meses antes da Independência do Brasil...

Lana reclamava que a professora nem a matéria tinha dado direito, o que prejudicava a compreensão da carta. Quando eu li a mesma, entendi sua dificuldade, uma vez que nada nos acrescentava um fato importante. Era um filho escrevendo ao pai, informando que estava com o saquinho cheio de ser colônia e anunciando seu desejo de libertação, como um adolescente que não aceita seguir os mesmos passos dos antepassados... Mas D. Pedro prometia eterno respeito ao seu genitor. Ou seja, se era pra entregar o ouro, que não fosse a outro bandido, e que tudo ficasse em família... Esta foi minha interpretação, o que piorava a situação da menina. Também, pudera, metade do assunto da carta era bla, bla, bla...

Rosângela tentava fazer uma crônica com o mote "Juventude e velhice. Polos opostos?". Pra quê?! Na verdade, era para "quem". Sua filha estava em casa, enfurnada em um quarto, estudando outras matérias e precisava fazer tal crônica. A mãe tentava pegar dicas comigo...

Entre risoto de camarão e salsichas, nós todos à mesa tentávamos conversar sobre história do Brasil e, ao mesmo tempo, sobre a terceira idade. Uma coisa meio surreal...

Juventude e maturidade, polos opostos? Não naquele momento. É horrível ter que escrever sobre um assunto quando não estamos inspirados... Já que descobrimos que de história do Brasil estávamos muito mal, tentávamos devanear sobre a visão dos jovens quanto aos idosos. Que coisa! Não vinha nada à nossa cabeça que completasse 15 linhas!

- "Já sei! Vou pedir a Arnaldo Agria Huss para me enviar alguns textos dele. Neles podemos encontrar o que quer!", disse a Rosângela. Eu tinha resolvido o MEU problema, mas nada resolvi dos problemas deles. Era difícil, àquela hora da noite, com o estômago cheio de comida, falar de vida e morte, polos opostos, novo e velho, muito menos sobre quem FICOU, quem ia FICAR, quem ia se mandar...

Acabamos a noite lendo alguns textos de Arnaldo, que, sem querer, virou nosso consultor intelectual; resumimos aleatoriamente trechos do que dialogamos e até roubamos boas frases de Ricardo, tal como:

- "D. Pedro pleiteava a libertação econômica de Portugal [...]", dissertava ele, tentando comer outro sanduiche, enquanto Áurea só era gargalhadas, ao nos ver tão compenetrados.

- "O que é pleitear?...", perguntava Lana, olhando por cima dos óculos.

- "Correr atrás", eu me intrometia.

Áurea, a mais calada, talvez para curtir nosso dilema e também sua refeição, disse que estávamos indo pelo caminho certo. Eu só não sabia qual era...

Quando a gente viu que ninguém iria fazer absolutamente nada para o dia seguinte, caso continuássemos naquele papo, resolvemos dar por encerrada a sessão cultural. Eles saíram batidos (e alimentados) pra casa para tentar construir algo de útil para os professores. Eu espero que tenham conseguido.

Talvez tenhamos feito muito mais pelas nossas vidas. Pelo menos eu, que me enfiei na Internet para reestudar sobre história e relembrar o que eu deveria ter memorizado.

Maturidade e juventude, polos opostos? Não! Os jovens ainda não sabem; os velhos esquecem...
Leila Marinho Lage
Enviado por Leila Marinho Lage em 18/06/2009
Alterado em 21/06/2009



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