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Costa Azul, cap 3
Cuidado! Não mergulhe!A prefeitura de Costa Azul (Rio das Ostras) arrasou no turismo. Fez daquilo um balneário maravilhoso. Qualquer turista pagaria fortunas para passar um fim-de-semana lá, mas eu conheci esta terra num tempo remoto, tudo muito agreste, sem qualquer civilização.
Até fiquei meio sem jeito quando encontrei calçadões, esculturas, muitos postes de luz, quiosques, restaurantes, casas maravilhosas, pousadas diversas e um píer imenso. Neste píer havia uma placa que alertava o povo a não mergulhar da ponte, pois as estacas estavam cheias de crustáceos, que podiam ferir... Ora! O mar é que é o perigo!
MOMENTO 1
Só um recantinho ali naquela imensidão de praia serve para lazer calmo, sem esportes radicais, que é o Remanso, uma pequena prainha represada entre pedras. Um dia eu vi uma mocinha paraplégica se arrastando na areia até subir nas pedras. Achei aquilo muito cruel, uma vez que os pais assistiam passivamente ao seu esforço. Só depois de muitos anos compreendi a sabedoria daquela gente...
MOMENTO 2
Naquela praia meus pais não se preocupavam com os filhos, pois sabíamos exatamente o que devíamos ou não fazer, mas o espírito aventureiro era mais forte e nós, os jovens, resolvemos ir pra o centro do Rio das Ostras caminhando pelos rochedos da orla, passando por praias, escalando e até nadando.
Numa dessas, minha irmã, talvez com uns 5 anos de idade, escorregou e por pouco não caiu nas ondas do mar. Ela se escorou numa depressão da pedra e ficou me olhando. Pedi meu irmão pra se segurar num galho e me dar sua outra mão. Fiquei praticamente com meu corpo pendurado até conseguir pegá-la. Não entendo como conseguimos... Foi tudo muito rápido e trabalhávamos em silêncio total.
Da mesma forma que a coisa aconteceu assustadoramente, nós nos recuperamos do susto e continuamos a jornada. Duas horas depois voltamos pelo mesmo trajeto, mas estávamos sedentos e preocupados, pois nossos pais não sabiam o que fazíamos. De repente, do nada, visualizamos um menino fazendo a mesma travessia. Ele carregava um isopor cheio de sorvetes. Imploramos para que ele nos doasse alguns picolés, que depois pagaríamos.
Tempos depois o menino apareceu no nosso acampamento, o único na praia, e cobrou pelos sorvetes. Meu pai perguntou onde foi que tomamos sorvete e o garoto disse: "Lá naquelas pedras do inferno...".
Meu pai ignorou o ocorrido, mas me olhou com um ar de quem queria me fuzilar.
MOMENTO 3
Também neste mar tão bravio eu soube o que é ser realista. Meu pai nadava muito bem e num dia de ressaca dar uma de peixe. Dentro do mar, muito distante, eu o vi lançar seu braço, pedindo socorro. Eu não entendia o que estava acontecendo. Minha mãe não sabia nadar e meu irmão era criança. Eu tinha uns 12 anos e implorei a ela pra ir lá salvar meu pai. Ela disse que até suportaria perder o marido, mas jamais um filho.
Ficamos desesperados por alguns minutos até que apareceram, como nômades num deserto, dois rapazes mergulhadores, talvez praticando o esporte de matar golfinhos. Eles entraram no mar, resgataram meu pai, deixando-o deitado na areia e sumiram! Não sei se eram anjos ou demônios.
Meu pai dizia que estava com hipotermia e que sentia dor no coração. Não sabíamos o que fazer. Conseguimos ajuda de um pescador. Lembro de minha mãe me recomendando a ficar no acampamento e cuidar do meu irmão até eles voltarem do hospital.
Dois dias se passaram, eu acho. O sol nascia e se punha. Eu fazia comida e meu irmão perguntava sobre nossos pais. Eu dizia que tudo estava bem e que a gente iria logo pra casa, todos juntos. O destino me obrigava a virar adulta...
Meu tio apareceu de carro e logo depois meu pai e minha mãe em outro. Meu pai foi internado a muitos quilômetros dali, não sei em Macaé ou Campos, pois não havia nenhuma assistência médica próxima. Meu pai tinha sofrido angina pectoris, quase um infarto no miocárdio.
MOMENTO 4
Depois dessa época ainda acampamos mais algumas vezes. A última foi quando eu já tinha passado nas provas do Vestibular e faltava uma semana pra ingressar na faculdade de medicina. Lembro que eu quis imitar os nudistas e peguei sol nos seios. Minha prima fez o mesmo, mas com filtro solar. Também lembro de assistir à primeira aula de anatomia sustentando duas bolhas dentro do sutiã.
Eu começava a virar mulher. Meus pais estavam ficando cansados de aventuras e tudo mudou. Tenho certeza absoluta que a minha escolha profissional mudou a rotina de todos. Eu tive que morar sozinha em Teresópolis. Todos ficamos mais sérios, responsáveis, preocupados com as finanças e até tristes.
E agora, depois de 30 anos de formada, nestas fotos voltei ao lugar e ao momento exato em que meus laços com um passado inocente e marcante começaram a se afrouxar.
Texto e fotografia por Leila Marinho Lage Clube da Dona Menô http://www.clubedadonameno.com Rio, 30 de junho de 2011
Leila Marinho Lage
Enviado por Leila Marinho Lage em 02/10/2011
Alterado em 03/10/2011
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