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Atendimento ginecológico para meninas
Capítulo I
Eu não sei o que acontece na cabeça das mães que acham que só devem levar suas filhas ao ginecologista só quando acontece a primeira menstruação (menarca) ou, até mesmo quando têm ou vão ter a primeira relação sexual... A avaliação ginecológica deve ser realizada, mesmo de rotina, pelo uma vez na infância, e toda vez que aparecerem corrimento, assadura, dores pélvicas ou nas mamas, queixas urinárias, baixo ou sobrepeso, crescimento retardado, acne, pilificação aumentada, comportamento sexual anormal ou qualquer outro sinal ou sintoma do gênero. Nas que já menstruam (menacme), é importante estarem alertas para alterações do ciclo menstrual e fluxo sanguíneo exagerado.
Muitas vezes é através da consulta ginecológica que descobrimos uma gama de outras doenças. Além disto, é por meio do atendimento ginecológico que podemos orientar desde cedo aos hábitos higiênicos, ao comportamento sexual, tirando dúvidas, esclarecendo os riscos. alertando sobre as consequências indesejáveis, indicando as vacinas para doenças sexualmente transmissíveis etc. Ou seja, passamos a ocupar um espaço importante na educação daquela paciente mirim, coisa que muitas vezes os pais têm dificuldade em administrar. Para isto, é preciso que a menina esteja acostumada com o ambiente do consultório ou ambulatório, que tenha uma boa relação com o profissional e que nada seja feito de supetão, tipo imposição. Senão dá zebra...
A vergonha de expor o corpo e o medo de sentir dor fazem com que as crianças, pré-adolescentes e adolescentes tenham verdadeiro terror do médico, mas o que eu observo ao longo de décadas de experiência nesta área, quem põe o maior terror é a mãe, às vezes até sem perceberem, pois até ela possui tabus, inseguranças ou não consegue abranger a importância do ginecologista em sua vida. Como não passar essas coisas para a filha?...
Querem ver como é comum?
1 - Alguém já exigiu que a filha colocasse uma calcinha para não expor a genitália, sem explicar corretamente as razões? Com sutiã é a mesma coisa, se bem que agora até existem “porta-seios” de vários modelos para crianças, mas os mesmos são apenas utilizados para exaltar a feminilidade. Mães perdem a grande chance de conscientizar sutilmente aquela futura mulher para os cuidados muito mais importantes que serão exigidos em breve. Nem preciso falar sobre outros apetrechos, enfeites e superproduções, tais como maquiagem, sapatos de salto e quando ensinam "barbies" humanas a dança da bundinha nos playgrounds de festas infantis, ao som de funks “inocentes”...
2 - Quem ainda não disse: “Você não sabe o que lhe espera quando tiver um filho.”, heim?... É a melhor forma de traumatizar uma menina desde cedo para o parto e a maternidade.
3 - Falam sobre sexo de uma forma didática, como se aquilo não pertencesse à vida daquela mulher em fase latente. São mães que se dizem “modernas”, que acham que conversam TUDO com suas filhas, estão certas de que existe uma parceria (que foi feita apenas unilateralmente). Quando essas mães descobrem que as filhas já transaram, “de qualquer jeito e com qualquer um”, aos 14 anos de idade, se sentem “traídas” e até levam as filhas ao ginecologista pra que elas tomem “pílula” e, PELO MENOS, não engravidem... As meninas perdem o valor...
4 - Outras mães resolvem levar as filhas ao médico para que ele, naquela consulta marcada, abra o jogo sobre “TUDO”! Ligam pra mim pedindo pra eu falar sobre a camisinha, “senão pega AIDS”; pra eu resumir em meia hora todos os temores que elas têm. São mães que adolescem...
Quando a gente pensa que já aprendeu a maior parte das coisas que se precisa aprender e viver, vem uma filha pra mostrar o quanto ainda precisamos encarar, e isto acontecerá por muitos e muitos anos, mesmo quando a garota fica adulta e constitui família. Não é em meia hora que eu, ginecologista, vou conseguir prevenir o que uma mãe quer, pois filhos não são chuchus numa quitanda, onde é só escolher os melhores, pagar e fazermos uma bela sopa.
5 - Algumas exageraram na “liberdade” e só querem do ginecologista os pedidos dos exames, o preventivo e as receitas, mas o resto elas já fizeram em casa: até já escolheram um quarto pra que suas filhas levem os futuros namorados, sejam quantos forem, para passarem a noite (é mais seguro que em motel ou na rua...). É como numa guerra, onde se tentam estratégias para se poupar muitas “baixas”.
O que vejo é que deve existir uma comunhão muito grande entre a mãe, o ginecologista e a paciente em questão, o alvo da coisa. A confiança deve ser extrema e a sinceridade também, já que nem todos os profissionais da área têm habilidade e paciência pra tal atendimento.
Constato que colegas possuem dificuldades pessoais, sem condições psicológicas e culturais para atenderem crianças e adolescentes. A sinceridade vem daí: confessarem isto e encaminharem o caso pra outro colega, mas NUNCA traumatizarem um ser humano, em fase de conhecimento, com suas frustrações. Qualquer coisa que falem ou a atitude que vão tomar vai ficar registrada para sempre na mente de sua pacientinha, uma cidadã.
Não é preciso entender profundamente de psicologia. Não é preciso sermos maravilhosos. É preciso apenas utilizar nossos conhecimentos médicos, associarmos ao bom senso e termos muito cuidado e imparcialidade com as nossas palavras. Quem pode, pode. Quem não pode que vá fazer histerectomia (e deverá fazer muito bem!).
Leila Marinho Lage CRM 5238501-5 Rio de Janeiro, novembro de 2011 http://www.clubedadonameno.com
http://www.clubedadonameno.com/tmedicos/mostra_temas_medicos.asp?id=107
Leila Marinho Lage
Enviado por Leila Marinho Lage em 05/11/2011
Alterado em 06/11/2011
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