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O pé direito
Gente, aqui quem fala é Josualdo. Há muitos anos sou o namorado oficial da Dona Menô. Venho através desta missiva deixar publicada a minha revolta.
Dizem que só as mulheres sofrem de amor, mas eu fui brutamente hostilizado por esta mulher na semana passada. Após uma discussão nossa, ela disse que ia namorar o primeiro que aparecesse na frente dela. e oferecer pra ele o bobó de camarão que ela tinha feito pra mim. Após uma semana resolvi investigar o meu pedaço para saber qual era o otário que estava no meu lugar.
Quando eu cheguei ela não me deu a menor bola e foi me mandando fazer arroz, pois só havia na geladeira um restinho do tal bobó. Resolvi me conter, vesti o meu pijama e procurei os meus chinelos, mas eu só encontrei um pé.
Menô nada de sair do chuveiro. Ela passou um monte de creme rinse nos cabelos, sabonete esfoliante no corpo e depois começou com um cerimonial eterno de hidratante na pele. Aquilo estava me cheirando mal... Não perdi a esportiva e fui perguntando se havia cerveja na geladeira, ao que ela me respondeu:
- Claro que não! Se quiser, vá ao mercado e compre!
Aquilo nunca tinha acontecido antes! Abri a porta do box e perguntei:
- Por acaso o teu namorado da vez só tem uma perna?
Ela nem moveu uma sobrancelha, até porque estava com os olhos fechados numa máscara verde de abacate.
- Por que a pergunta?
- Porque não acho o meu chinelo direito no lugar onde ele sempre ficou!
- Procure direito, pois a faxineira andou mexendo nos armários...
Menô estava me enrolando. Alguém tinha se apoderado do meu chinelo. Como ela lida com uma legião de pessoas sem membros, certamente um deles resolveu levar de souvenir o meu pé direito. Pra piorar a minha situação, a minha namorada decidiu me sacanear:
- Doutora Leila bem que me avisou sobre a síndrome do corno encantado. Deve ser o seu caso...
Tentando me controlar ao máximo, fui ao mercado para comprar a cerveja. Na portaria observei que um homem muito do pintoso tocava para o apartamento da Menô. Também observei que ele não tinha a perna esquerda e andava com a ajuda de muletas, nas quais eu decidi dar uma rasteira. Com o inimigo no chão, intimei:
- Cadê o meu chinelo? Devolva o meu chinelo!
O cara arregalou os olhos e, de baixo pra cima, me perguntou:
- Você é maluco? Que chinelo é este?!
- Aquele que você pegou emprestado lá na Menô.
- Não sei de chinelo. Faço parte da inclusão social e acessibilidade do projeto...
- Não me interessa onde você quer acessar ou incluir algo. Quero o meu chinelo de volta!
Eu não entendi por que tanta gente apareceu naquela hora. O porteiro e alguns vizinhos tentavam me conter, depois que eu enfiei o meu pé no peito daquele sujeito.
- Seu Josualdo, o que é isto? O senhor está espancando um deficiente!
- Deficiente o cacete! Aliás, o cacete dele não precisa de bengala!
O cara me olhava com muita raiva e me exigia devolver suas muletas, porque depois disto ele ia me meter porrada. Eu disse pra ele que ele não ia meter mais em lugar nenhum!
Levaram-me arrastado até a porta da Menô. Todos estavam muito preocupados com a minha reação. Até o perneta foi junto. Assim que Menô abriu a porta, ela me mostrou o chinelo. Estava linda, com roupão de banho e cabelos molhados, mas com uma cara de nada amiga:
- E aí? É este o teu pé que faltava? Tá satisfeito?
- Ah... Agora to...
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Leila Marinho Lage
Enviado por Leila Marinho Lage em 29/03/2013
Alterado em 04/02/2018
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