ACIONAR O BOTÃO
E a gente vai levando...
Outra noite e tudo está tranquilo.
Tantas vezes ouvi esta frase em filmes de época... Idade média, castelos, chão de cascalho, frio, um homem acendendo tochas na rua.
É noite e tudo continua tranquilo... Eu permaneço bem, muito bem. Todos bem demais para serem acordados de suas sepulturas em vida - mistério de quem não teme, segredo de quem não sofre.
O latente desacordo. Eu des-acordo.
Como uma bomba prestes a explodir, todos percebem que algo repentino vai acontecer em suas vidas, mesmo sem saberem quando e como. E o mundo saboreia os últimos momentos do silêncio, nessa paz mal entendida. Impacto e expectativa, que não guardam segredo, mas são segredo.
O momento virá. Pode ser longa a espera. Reforma ou a deformação, e a morte é certeza.
Melhor não pensar no vazio, nem o que se sente do que resta do sentido.
Mas tudo está tranquilo demais por aqui - negando o passado, valorizando o presente e ignorando o futuro.
Pessoas tão singulares nos conceitos e no comportamento compõem o prisma das desigualdades. Fuga social, indiferença ao próximo, desapego à família, interiorização. Na burla das teorizações darei salvas às exceções.
Na rua me deparo com as mais variadas caras: sorrisos, olhos baixos, expressões vagas. Misturam-se pessoas felizes (por nada serem) aos zumbis da própria estupidez.
Alguém passa por mim e me olha. Nossos olhares se fixam por alguns segundos. Nossos corpos se cruzam e chego a sentir o rastro de calor, o perfume suado, o cheiro de gente.
E a pessoa vai decidida, levando sua respiração e sua vida, que desconhecem seu prazo de validade.
Vidas passam e se esbarram. Pulsam os mais variados sentimentos e tudo é muito, mas muito fácil de se imitar - desde que não se pare para pensar...
O simples teme o complexo. As pessoas se limitam ao mais perto, ao óbvio, ao prático, para fugirem da ignorância. Tornamos impossível a transparência do que temos de mais puro. Limitamos nossas vidas aos momentos que se repetem - bons ou maus, mas que se perdem na bestialidade da autopreservação.
Sabemos do momento porque ele é real, palpável e insubstituível. Assim, economizamos em emoções para ganharmos em sobrevivência, enquanto ao lado mais um filho se faz, mais uma sede se sacia, mais um coração bate.