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GINECOLOGIA AO VIVO E EM CORES

A respeito desta matéria:
http://www.opopular.com.br/editorias/opiniao/da-reda%C3%A7%C3%A3o-1.146392/whatsapp-na-medicina-1.1105798

Tenho acompanhado a evolução do uso de mensagens entre médicos e pacientes em celulares, através de aplicativos como Whatsapp, não só no posicionamento do Conselho de Medicina como também no comportamento dos profissionais e seus clientes. Agora lendo esta reportagem, decidi escrever mais uma vez minha experiência pessoal e meu conceito. Acredito ser relevante e de utilidade para todos.

Como eu sou de uma geração que:
 
- assistiu ao vivo o primeiro homem pousar na Lua e hoje acha até maçante ouvir falar de sondas exploradores em planetas distantes;
 
- passou pela televisão em preto e branco e depois em cores, LCD e hoje compra aparelhos em 3D;
 
- surpreendeu-se com o lançamento do projetor de slides, dos gravadores em fita de rolo, depois os cassetes, os CD, os DVD, o computador doméstico, o pendrive...;
 
- que usava em casa um telefone preto e pesado com dial, depois o pager (bip), depois o celular tijolão, que se tornou pequeno e dava no bolso, que ficou maior com teclas touch, que infernizaram nossos neurônios;
 
- que ia aos correios pra postar uma carta para exterior e hoje faz videoconferência em tempo real ou bate papo com qualquer pessoa no mundo;
 
- que ia na Kodak revelar as fotografias do encontro de família, mas hoje só precisa fazer um self de um belo beijo;
 
- que assimilou com certa dificuldade o que é mouse, hardware, software, sites, páginas de relacionamento. Pra nós, esta expressão “página de relacionamento” não inspirava coisa decente...
 
Aprendemos tudo ao vivo e vivos, espertos e experientes, assim como os bebês de hoje, que ganham de presente minicomputadores com joguinhos, para largarem a chupeta. Assim, as pessoas que têm entre 50 a 60 anos de idade em 2016 sentem arduamente a tecnologia moderna e tiveram que aprender e se adaptar na marra, para sobreviverem. Por isto eu acho que a minha geração, profissionais calejados, saca, com certeza, o que é útil e o que é absolutamente absurdo na Internet.
 
Ter um celular, nos primórdios, era para quem podia ostentar luxo ou pra quem precisava muito. A gente até tinha que ir a cartório para transferir a assinatura, pois era um bem material de alto valor. A fatura mensal era astronômica. Só o possuíam os emergentes, homens de negócios ou qualquer trabalhador que lidasse com situações de emergência, assim como os médicos e profissionais de saúde. E havia uma ética entre as pessoas que se comunicavam, uma vez que era um aparelhinho que nos retirava de momentos particulares na vida, interrompendo tudo para atendê-lo prontamente.

A coisa foi ficando popular demais e bem barata. Todo mundo começou a utilizar celular de forma desenfreada e até obcecada, principalmente os mais jovens, que nasceram com chips no cérebro. Aí, os mais velhos resolveram aderir ao oba-oba de conversinhas por celular, sem pedirem licença, sem se identificarem, sem perceberem que nem todo mundo tem a folgada e irresponsável vida que têm. Começaram os aplicativos gratuitos, tal com o Whatsapp. Crianças, adolescentes, adultos e até anciãos, dormem com celular ligado, acordando até de madrugada para lerem mensagens; conversam dirigindo carros; tornam-se imbecilizados ao darem atenção ao celular e perderem de vista o que acontece à frente, na rua, na casa, no trabalho, na vida, na relação presencial.
 
Quando um médico dá seu celular para um paciente, serve para resolver situações imediatas, práticas ou imprescindíveis. Se o médico não deu permissão que entrassem no tal zapzap, não há por que um paciente tomar esta liberdade. Pior ainda: sem se identificar, sem perguntar se o médico está disposto a atendê-lo por este meio - e naquele momento. Isto para mim é o cúmulo da falta de bom senso!

Pelo menos eu, mantenho esta forma de comunicação para fins profissionais com colegas e para manter contato com pessoas cadastradas em meu meio, seja para lazer ou para assuntos muito pessoais. Não é pra qualquer um entrar. Eu posso deixar de ler a mensagem, e se for alguma urgência, ou se eu não lembrar do caso, posso MATAR a pessoa. Não gosto nadinha disto! Eu ESCOLHO, a cada situação, quem deve ou não se comunicar por zapzap comigo. Não preciso de leis ou códigos de ética médica pra regerem minhas convicções. Sei muito bem o que poderia me levar a um processo. Todos os médicos deveriam se conscientizar disto e não terem papas na língua para darem um chega-pra-lá em algum folgado.
 
Vou dar um exemplo meio exótico, porém não raro. Sou ginecologista. Eu devo ter pelo menos unas três mil pessoas em prontuários (ou mais). Pois bem, um dia desses eu estava numa missa quando recebi uma mensagem no vibracall. Eu estava aguardando informações sobre uma paciente que iniciava trabalho de parto, mas recebi de uma estranha a fotografia de sua vulva, enorme e inchada, com a seguinte pergunta:
 
- O que acha que é isto que apareceu? O que eu devo colocar?

Na hora da hóstia, dei um grito: “Que isto?!”.

Uma amiga que me acompanhava quis ver do que se tratava e começou a dar gargalhadas bem na cara do padre. Pedi licença e fui pro fundo da igreja, quando respondi:

- Minha filha, não associo esta vulva à pessoa. Por favor, queira me ligar dentro de algumas horas, mas saiba que nem eu nem Deus vamos te perdoar tão cedo...
Leila Marinho Lage
Enviado por Leila Marinho Lage em 03/07/2016
Alterado em 03/07/2016



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