Cia Bachiana Brasileira
Sir John and Lady Mary
Minha “visita de médico” de ontem foi especialíssima, emocionante.
Comentar sobre música, ainda mais erudita, por alguém que nada conhece disso, vai ser um desafio... Tudo bem: Se eu tivesse medo de escrever, não teria feito um site próprio. Então... vamos lá:
Aqui eu falo como uma leiga, mas, nem por isso, menos admiradora das artes. Capto o que vi, ouvi e senti e passo para vocês. Arte é isso: apreciar o belo.
No dia 11 de outubro de 2007 eu fui pela primeira vez à Sala Cecília Meireles, na Lapa, Centro do Rio de Janeiro, para assistir a apresentação da Cia Bachiana Brasileira, que é composta por Orquestra e Coro. Eles apresentaram Motetos de Bach. Motetos são cantos paralelos harmônicos (polifônicos), com temática religiosa, muito difundidos na Idade Média. Johann Sebastian Bach foi o maior representante desta expressão musical.
Isso, por si só, daria apenas um comentário ou uma dica cultural, mas, para mim, foi muito mais. Ontem eu senti vontade de chorar de emoção ao assistir este grupo.
A gente vê muito nos filmes alguém na platéia chorando, ao ouvir uma ópera, por exemplo. A princípio, isso parece afetado e falso, mas não é, não.
Alguém aí já chorou cantando o Hino Nacional, numa decisão de um campeonato internacional de vôlei ou futebol? Eu já... Na Copa do Mundo isso é lugar comum. No Carnaval do Brasil, quando a Escola de Samba passa, arrebentando nossos corações, as vozes e os instrumentos entram dentro da gente e fazem o maior estrago – emoção pura. Nosso cérebro entra em sintonia com a melodia; o som mexe com nosso sistema límbico e muda todo o nosso organismo. Desde uma cantiga de ninar, que nos traz lembranças do passado, até uma canção que representa algum momento marcante de nossa vida, o som, a audição é um sentido que pouco valorizamos, mas administra diretamente nossa subconsciência.
Um dos cantores desta Companhia é um amigo desde a adolescência. Talvez ele não saiba, mas foi o responsável por eu hoje ser médica. Naquela época, ele tocava, compunha e cantava em grupos de jovens numa Igreja. Foi assim que nos conhecemos e hoje sua família é como extensão da minha. Eu estranhava o modo de ele cantar, sempre trabalhando a voz, talvez adivinhando que estaria, num futuro muito distante, participando de um grande coral.
Há dois anos, passeando numa praia e revendo, depois de 25 anos, uma amiga de faculdade, ela começou do nada a cantar "Sir John and Lady Mary". Apesar de não lembrar que canção era aquela, que por muitos anos eu tinha esquecido, comecei a cantar junto com Alana Baldez, pediatra e linda. Esta amiga parou, olhou-me nos olhos e perguntou se eu sabia quem era o autor do que cantava:
- “Sei lá, po!".
- “De seu amigo Antonio Cerdeira, que eu nunca conheci. Você vivia cantando isso na época da faculdade e eu memorizei. Hoje até meus filhos a tocam”.
Uma lagriminha quase escorreu e eu revivi em poucos segundos épocas felizes, quase inocentes. A música, registrada por alguém, foi a mim devolvida naquele dia e me tocou.
Volto a ontem:
Surge o Maestro Ricardo Rocha. Ele chama os músicos, que sentam, submissos, cada um com seu instrumento. Depois, chega o coral - todos estrategicamente dispostos. É provável cada um deles tenha uma profissão diferente, para sua subsistência, mas fazem daquele momento a coisa mais importante nas suas vidas. Lutam, se esforçam, estudam anos a fio pela sua arte, mesmo sendo uma arte elitista, infelizmente ignorada pela maior parte da população.
Ao lado do grupo, um telão, traduzindo as letras em alemão – temas religiosos, provavelmente passagens bíblicas.
Mayco, "o correspondente do Clube da Dona Menô", estava comigo e repetia:
- “Que coisa bonita, tia!...”.
- “Pára de me chamar de tia que eu sou tua prima de segundo grau! Cadê meus óculos?!”.
- “Que coisa bonita, tia....”.
Eu queria ler as letras, mas, também, queria observar o rosto de Mayco, hipnotizado com aquela apresentação. Desisti dos óculos, que se perderam, para variar, dentro dos múltiplos compartimentos de minha bolsa. Foi melhor assim:
Como ainda dá pra enxergar um pouco de longe, passei a prestar atenção na voz de cada um. Olhando para cada um deles, e colocando o cérebro pra funcionar, eu distinguia quem cantava o quê. Em certa hora, eu percebi nitidamente que os instrumentos “conversavam” com os cantores e mudavam a condução da cadência musical - principalmente os celos e violinos. Hoje, conversando com Antonio, ele falou em uma técnica aí, que é exatamente isso. Não me perguntem sobre teoria – eu só sei do sentir.
No Moteto V, “Komm, Jesu, Komm” (Venha, Jesus, venha), a melodia ficou maravilhosa e, quase no final, os cantores e a orquestra pareciam interagir intensamente. No final, no Mometo I, "Singet dem Herrn ein neues Lied" (Cantai ao Senhor uma nova canção), o coral tomou uma força imensa e, principalmente as mulheres, fizeram um show à parte.
Mas, só vendo e ouvindo... Não dá pra explicar. Eu só sei que, a cada acorde, a cada canto, meu coração pulava e aquilo me deixou envolvida. Antonio já não era a personagem principal de minha atenção, e, sim, o grupo todo, como um só corpo.
Dias 20 e 21 de outubro, lá no Jardim Botânico, às 16 horas, o coral vai apresentar estes Mometos, a capella, ao ar livre. Imaginem que coisa fabulosa ouvirmos estes pássaros humanos junto com aquela natureza imponente. Eu recomendo e estarei lá, para admirar e aprender mais.
Entrem no site desta Companhia: http://www.bachiana.com.br
Lá poderão estar a par de maiores detalhes e programações, além de poderem adquirir os CDs do grupo (o mais recente é “Tributo a Bach”), o DVD (com um documentário e músicas de Villa-Lobos), além do livro do regente Ricardo Rocha (“Regência, uma arte complexa”).
Também indico verem o pps Calamidades, com poema de Antonio Cerdeira e lerem o comentário do mesmo:
http://www.clubedadonameno.com/slides/mostra_slides.asp?id=9
Leila Marinho Lage
Rio de Janeiro, que continua lindo, 12 de outubro de 2007
http://www.clubedadonameno.com