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Textos

Dia do médico
Colocações oportunas

Não pretendo ser original, nem ser interessante no que vou falar. Decidi, até, escrever pela primeira vez, direto no editor de texto. Hoje é Dia do Médico. Como eu ontem fiquei de molho por conta de uma gripe, perdi a noção do tempo e me surpreendi ao receber por e-mail recadinhos de felicitações.

Pensei em quanto as pessoas, amigos ou pacientes, me vêem de uma forma totalmente diferente do que eu sou - e eu não faço o menor esforço para parecer assim ou assado... Cada um nos vê da forma que mais lhe convier, de acordo com o que assimilou o mundo, através das informações contidas em seu cérebro.

Não sou. Eu estou (se é que entendem...).

A crônica é justamente sobre este assunto - como nos vêem. "Vamu lá":

1 - "Médico não fica doente e não sofre"

Errado... Por estarmos em contato constante com tudo quanto é doença contagiosa, mais comumente viroses e doenças de pele, o médico é chegado a uma febrinha, uma dor de garganta e umas perebinhas... Graças a Deus meu órgão de choque não é a pele e eu só pego gripes... Preciso me vacinar...

Dizem que devíamos, aliás, não só médicos, melhorar o astral; termos mais lazer; sermos mais leves, essas coisas... Daí, a imunidade melhora. Lógico que sim! Mas, vão dizer isso pra cabeça!

Isto se chama somatização- a pessoa descarrega onde a parte do organismo está mais susceptível. Ainda bem que eu só tenho estas coisas, porque o médico é o profissional mais chegado a uma depressão, ao suicídio, ao alcoolismo, ao uso de drogas psicoativas (como é o caso dos barbitúricos), muitas vezes criando dependência química.

Quando eu falto ao trabalho, ninguém pensa na razão disso - apenas se sentem no direito de ficarem zangados por terem estragado suas programações... Ninguém pensa que um profissional liberal não pode faltar, pois, senão, não ganha e, se falta, é porque precisa faltar.

Eu já passei um ano sem trabalhar por não ter condição psicológica de exercer medicina. Se o fizesse, eu mataria alguém, mas, isso, é um assunto que não cabe aqui. Só digo que eu estava com todas as minhas faculdades mentais funcionando e em plena saúde, mas o emocional estava péssimo. Fui uma ousada guerreira, talvez, uma rara guerreira. Eu me ferrei financeiramente por isso, mas não me arrependo em nada. Cumpri uma missão e não prejudiquei nenhum paciente.

Muitas vezes eu trabalhei em minha vida com dores na coluna, que me tolhiam, e que Papai do Céu mandou para o espaço, numa época em que eu precisava não ter dor. Quase fui uma inválida por causa de uma compressão de nervos pela coluna vertebral. Eu mudei o mobiliário do consultório para me adaptar a esta dor. Um dia, numa época de muito desespero em minha vida, e depois de anos de sofrimento, esta dor foi embora e nunca mais voltou. Isso aconteceu de um dia para o outro...

2- "Médico não tem dúvidas. Médico não erra"

Errado! Qualquer médico que seja MUITO bom tem dúvidas! Quanto mais se estuda e se aprende, mais dúvidas existem. Cada corpo responde de uma forma, e as condutas são específicas para cada pessoa.

Ter dúvidas é ser coerente, ponderado e cuidadoso. A função do médico, pelo código de ética, não é curar - é tentar curar. O médico tem que ter consciência do que faz, é certo, mas, em hipótese nenhuma, ele pode estar seguro de que é invencível e infalível. Todos erram. A experiência pode ser traída pelo acaso. É necessário que sejamos humildes para vermos isso em cada momento de nossas vidas. Por mais exata que a Medicina esteja se transformando, jamais ela será uma CIÊNCIA exata, pois depende da CONSCIÊNCIA e SUBCONSCIÊNCIA humanas.

Recentemente eu ouvi de uma paciente, que me fez perder semanas de preocupação e trabalho, que ela estava mudando de médico porque eu estava muito "insegura" nas minhas condutas... 

Eu tinha absoluta certeza do seu caso e o que pode acontecer, porém ela preferiu ouvir palavras amenas de alguém que lhe trouxe conforto espiritual - quem sabe?... Talvez eu tenha sido radical e objetiva, mas sei exatamente porque fiz isso e me preocupo ate hoje com ela. Jamais, em momento nenhum, falei algo que não fosse absolutamente necessário ser dito, mas a interpretação de minhas palavras foram mal aceitas. 

Aqui está a diferença do que se chama experiência: eu não me ofendi. Eu fiquei com pena dela.

Por outro lado, eu já errei muito. Ainda bem que, até hoje, não causei a morte de ninguém por um ato impensado ou desmedido, mas, saibam, estas coisas só acontecem com QUEM FAZ.

3 - "Médico não tem vida pessoal"

Pois é... Pensam que médico fica congelado num freezer, limpinho e arrumadinho, pronto para atender, com todas as suas contas pagas e sem qualquer problema pessoal. Médico não pode ficar triste, ter cansaço, preguiça, raiva, nada.

O médico é um ator, isso sim. Por muitas vezes ele deixa de "pensar e sentir" e interpreta um papel diante dos dramas alheios. Daqui a pouco eu irei interpretar vários papéis, com cada doente que irei atender hoje. Cada uma terá uma história, uma queixa e eu estarei lá para ouvir e cuidar, esquecendo de mim.

4 - "Médico não sente"

Mentira cabeluda... Há pouco tempo eu li uma crônica do meu ídolo Artur da Távola, que falava que o médico engoliu o choro num atendimento. Perguntaram se estava chorando. Ele disse que era alergia...

Tenho ficado muito seca atualmente diante de certas situações, mas, em outras, eu tenho tido outra visão e me compatibilizo com elas.

Hoje eu paro para observar o batimento do coração de um bebê dentro da barriga da mãe; toco aquela criança em formação e a sinto. Sei que, em breve, ela estará aqui entre nós e eu me comunico com ela todos os meses. Percebo seus movimentos e seu corpinho, lembro que ela depende de mim para nascer bem. Antigamente, eu atendia uma gestante e não me dava conta de que, naquela hora, mais de duas pessoas estavam na consulta.

- Médico não pode ficar nervoso na hora da emergência - mas fica, mesmo fingindo que não.

- Médico não pode ficar com raiva - mas fica, mesmo fingindo que não.

- Médico não pode amarelar - mas amarela, mesmo fingindo que não.

- Médico não pode dar uma gargalhada (ou pode?) - mas ri por dentro.

- Médico é um robô? Não. Médico é um profissional como outro qualquer, numa profissão de risco, que tem a vida das pessoas nas mãos, e que lida dia a dia com o ser humano diretamente.

Por isso tudo, o médico vai depender mais do que da sua capacidade intelectual e de seu cabedal de conhecimentos para ter "sucesso" na sua carreira. Vai depender, principalmente, da sua personalidade e de seu caráter.

Respondo a quem me ligou, encontrou comigo ou me escreveu:

Feliz dia do paciente. Obrigada.

Leila Lage
Rio, 18 de outubro de 2007


Leila Marinho Lage
Enviado por Leila Marinho Lage em 18/10/2007
Alterado em 21/02/2009
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