Clube da Menô

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Textos

3 - Gatos - Gravidez inesperada

Depois de mais um dia de trabalho, era rotina subir no terraço e cuidar de minha hóspede sofisticada e exigente... Ela andava de um lado para outro quando eu abria a porta, miando alto de alegria e para se comunicar. Quanto mais eu conversava com ela, mais ela miava. Se eu aumentava o tom de voz, ela chegava a gritar. Se eu falava baixo, ela quase sussurrava. Jamais gostava que eu a pegasse no colo - suportava, mas não gostava...

Uma cioisda que ela se descontrolava era que eu ficasse com raiva. Meu tom de voz mudava tanto que ela miava, sofria, sumia e só voltava quandoeuestava melhor. Por muitas vezes ficou ao meu lado atée me acalmar. E, quando eu me acalnamava, ela ia embora, mais calma e calmamente... 

Ela gostava mesmo era de ser acarinhada de longe, a um metro de distância de mim, ou de uma forma que não pudesse ser imobilizada ou pega de surpresa. Eu dava a minha mão e esperava que ela se chegasse. Ela colocava seu corpo ou a cabeça na minha mão e se derretia com meus carinhos, mas jamais, jamais sentava no meu colo ou pulava em cima de mim – isso seria muita humilhação! Só uma vez fez isso e, neste dia, eu queria a morte. Por isso sei que esta gata era surreal.

Ela começou a escolher comidas... Eu comecei a estudar tudo sobre gatos: a melhor alimentação, os melhores cuidados, a vacinação, vermífugos, o melhor banho etc, etc...

E ela me sacaneava direto! Odiava legumes que eu misturava à ração (mole, porque odiava a dura). Ela fazia que nem criança que separava o que não gostava no prato e só comia aquilo que agradasse... Como ela vivia solta, indo e vindo da rua, eu preferia fazer suas vontades a deixar que ela comesse ratos e coisas afins... Mas, seu cantinho era aquele terraço, onde ela começou a receber visitas inesperadas que jamais frequentaram minha casa, como era o caso de um gato preto, nojento e irreverente.

Como o animal sabia que lá havia comida e estava livre dos cães, ele se aproveitava da mordomia e atacava a comida da minha dama. Um dia ele quis me encarar e Clarence pela primeira vez me defendeu na vida. Ela se colocou entre eu e ele, quando ele rosnou pra mim, e o atacou com unhas (muitas unhas) e dentes. Depois virou as costas para mim e nem quis agradecimento...

O local de um gato é demarcado pelo xixi. O macho mija mais que a gata e deixa o cheiro no local. Enquanto um gato - macho ou fêmea - não urinasse, ela tolerava, mas, ai do puto que fizesse isso! 

Da mesma forma, um gato se esfrega na gente para demarcar o que é propriedade dele, não apenas por amor. E era assim que eu ficava, quando chegava do trabalho - toda cheirosa, pois minha gata sempre cheirou xampu de flores...

Eu ia pra casa doida pra ver minha gata, depois de fazer tudo de importante que tinha que fazer (e estas coisas eram um tanto quanto importantes...), subia para a parte de cima da casa e me deixava ser esfregada nos pés e pernas por seu rabo, com gemidos e olhares que só um gato pode oferecer. Ainda mais porque eu não a prendia,: ela tinha todo o direito de ir e vir. Com o tempo, não saía mais do terraço – só pra cagar na escola... Devia ter até curso superior...

Um dia eu estava muito triste e sentei no chão, mesmo de uniforme branco, e chorei desesperadamente, fazendo cafuné em Clarence. Eu conversava com ela e lhe perguntava se eu estava no caminho certo de salvar a vida de minha mãe. Ela me olhou pela primeira vez diferente - e este olhar eu vi muitas vezes depois. A bicha deitou com a barriga aberta, deitada no chão, toda arreganhada, como se quisesse que eu visse algo.

Cocei sua barriga e ela me mordeu. Eu bati nela pela e última vez, até perceber que ela estava gorda demais. Peguei-a na marra e senti um movimento fetal – a pirainha esta grávida! Ela tinha escolhido a casa certa! Parto de graça! Devia ter sido aquele gato preto filho da puta!

Com aquele gato irritante eu tinha feito o seguinte: Como eu o achava o gato da minha anterior concepção de gatos, resolvi o convidar para um banquete. Neste banquete havia um barbitúrico potente para qualquer adulto. O animal comeu tudo e foi embora. Pensei que tinha dado cabo dele. Três dias depois ele voltou magro, na pele e no osso, pedindo mais comida com bolinhas... Ficou doidão por aí... E tive que arrumar dono para aquele gato vadio...

Clarence passou a ser a princesa da casa depois de grávida e, aí, não tinha mais conversa: Eu fazia fígado cru de galinha e colocava em pequenos recipientes pra ela comer todos os dias. Se não era isso, era merluza crua... Em sardinha ela não se amarrava muito, nem trilha, muito menos majubinha... Tinha que ser merluza... e crua... Pasta e ração, era direto, mas ela não gostava de repetir sabores... Ração dura, só se fosse misturada... Uma tortura geral!

Ah! Ela gostava de flores! Algumas flores ela comia só pra me agradar, quando eu conversava com ela. Outras ela comia com prazer... Tive que acabar com algumas que diziam ser venenosas para gatos (como no caso de azaléia). Alguns arbustos e plantas ficaram tortos de tanto que ela deitava em cima...

Era banho, vacinas, remédio pra pulga, pra micoses, limpar e cortar unhas, dentes, gengivas, xampus, uma infinidade de coisinhas... Eu ficava toda arranhada de tanto que ela pedia ajuda justamente a mim, quando eu ligava a água no chuveiro morno - é claro... Ela subia na minha cabeça, nas minhas costas, era um horror! Depois eu lavava o banheiro todo... Uma coisa muito graciosa...

Brinquedo, ela só gostava de ping pong... É... Aquela bolinha ridícula de ping pong que a gente joga. Ela jogava com as patas e eu pegava. A sorte era que ela jogava para mim na minha direção sempre, mas bem que eu fiz muita ginástica sem precisar de academia... Quatro horas da madruga eu chegava em casa e, depois do “trabalho caseiro” (exótico) resolvido, lá eu estava no terraço para dar atenção a uma gata... A família nem reclamava, pois estavam acostumados às minhas loucuras.

Se fosse só comida, banho e planta tudo bem... O problema é que esta gata se metia em confusões que somente a idiota aqui como eu poderia dar valor, tal qual uma criança.

Gatos têm propulsão das patas de trás, mas as dianteiras são fracas para suportarem seu corpo numa queda. Por isso, subia em árvores onde só bombeiros e amigos atletas sabiam como a retirar. Era um tal de ouvir Clarence miando, pedindo socorro em cima das nas mangueiras e coqueiros, que eu já não aguentava mais com esta fase. Crianças são mais fáceis de domar...

Até o dia do primeiro parto... Ela teve três gravidezes, mas no nascimento dos primeiros gatinhos eu me senti uma verdadeira avó...

Sigo em outro capítulo.

Leila Marinho Lage
Rio, 24 de Janeiro de 2008

Leila Marinho Lage
Enviado por Leila Marinho Lage em 24/01/2008
Alterado em 21/02/2009
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