Sensação de morte
Ele tentava arrastar a mão até o telefone. Não ia adiantar nada. Sua mente estava embotada e ele não registrara nenhum número de cor.
Ficou deitado tentando descobrir o que acontecia com seu corpo. Era terrível supor que poderia ser seu fim. Tudo rodava em volta, as mãos tremiam, a vista ficou embaçada, o coração quase saía do peito. Sensação de morte iminente...
Daquela sensação vieram lembranças de tempos em que ele tinha família. Tudo podia ser ruim, mas sempre havia gente por perto. O alvoroço de gente falando ao mesmo tempo; risos entrecortados pelo som da descarga do banheiro ou do latido do cachorro; as brigas, ódios alimentados pela pseudo-segurança da juventude e da saúde.
Hoje ele está só. Um mal-estar, talvez o prenúncio de que algo não estava bem com seu físico, trouxe à tona a ausência de tudo o que deixara pra trás por causa do destino, quando não, por opção.
Ele não sentia falta de nada. Nada além de estar ao lado de quem amava. Mas quem o amava? Quem por ele poderia ter tanto amor a ponto de estar ao seu lado nestas horas?
É horrível morrer só. Numa vida repleta de tantos sentimentos – bons e ruins – ele acabava naquele quarto, olhando para dentro de si e se perguntando: “Vou acabar assim? É assim que vai findar a minha jornada? Numa cama vazia, numa casa impecavelmente arrumada para não receber ninguém? Eu fui egoísta comigo mesmo. Quis ter liberdade para viver o pouco que me restava, e não vejo nada! E agora devo estar morrendo. Só pode ser isso... Quanta vida despejada no esgoto... Não merecia morrer assim. Mas, pensando bem, é melhor ir de uma vez do que ficar dependendo dos outros – estes que iriam me tolerar, mas que continuariam vivendo suas vidas depois de me deixar limpinho num canto qualquer. Espero que daqui a uma semana alguém perceba que eu sumi. Preciso jogar aqueles documentos fora antes da partida... Mas não dá... A prova mais cabal da inutilidade de minha existência está aqui, em cima desta cama”.
Ele adormeceu profundamente. Pela manhã surpreendeu-se ao acordar e olhar o teto, vendo-se no mesmo lugar de antes. Felizmente ou não, ele estava vivo e se sentindo bem - para continuar a caminhar no desastre de seus dias.
Leila Marinho Lage
Enviado por Leila Marinho Lage em 20/04/2008
Alterado em 21/04/2008
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